dezembro 15, 2008

O rapaz da camisola 7

Quando ele olha para mim...



Quando ele olha para mim. Eu sinto que ele não olha. Porque ele continua a olhar com os olhos dele. Ele não se expatria de si para olhar para mim.



No entanto, quando ele olha para mim, quando os seus olhos, escondidos nos seus traços romanos, apontam para a minha direcção, eu sinto-lhe a alma. O coração. Que tanta gente diz não conseguir ver. De tão escondido que está.



Dói-me mais quando ele não olha, ou melhor, quando olha e depois desvia. Não me custa aguentar o olhar dele - é doce, inocente, quando destapado; quando é camuflado por ele, continua o mesmo olhar inteligente e comum e insane, que toda a gente vê. Mas nalgumas vezes o vi doce, querido. Olhar de cachorrinho, vindo de uma face quase bonita demais para existir. Como não suportar isto? Se nalguma vez - ou nas muitas vezes - desviei o meu olhar foi por não querer denunciar-me, ter medo que isso acontecesse sem eu o poder controlar.



No entanto, achei por bem começar a dar ouvidos aos comentários mais maléficos: achas que te serve, achas que é para ti? Vocês não têm nada em comum... Mas aquela qualquer coisa estúpida que me fazia ver coisas bonitas e interessantes nele não foi embora - decidiu apenas recolher-se, após mostrar algumdo seu brilho, mas não ver qualquer luz de concordância do outro lado da escuridão.



Escureci, também eu. Do outro lado da escuridão, ninguém conseguiu mais ver-me porque desliguei o meu interruptor interior. Desliguei-o, apenas. Num momento, de cabeça baixa e olhos secos, apaguei-me a mim própria. Clic. Não faz sentido não conseguir, ser ignorada, esquecer-se as pequenas conquistas... e a luz que já brilhava... nada fez sentido. E eu deixei de o fazer também.







Ironia das ironias - apareceu-me o 7 na camisola dele. Lá estampado. apareceu-me. mesmo à frente dos meus olhos, que se abriram como nunca. Primeiro pensei, não, deixa lá ver bem se não é um 1 mal desenhado, ou um Z, ou qualquer outra coisa que não um 7. Não, não pode ser um 7! Sem querer ser demasiado supersticiosa ou fazer disto um milagre ou um sinal. Mas parece que saiu da fila de montagem de uma fábrica, acabado de embalar, e o número de série dele é o 7. Como se dissessem "este é para ti, Inês!".



Eu não sei, não sei, não sei! Dão-me garra as pessoas complicadas, tempestuosas, vulcânicas - mas estou habituada a que, ainda assim, sejam óbvias. Não estava preparada para uma pessoa inteligente, complicada, que parece segura de si e das suas atitudes - e nada óbvia. Ou o pouco de óbvio que poderia retirar-se disto, deixou de existir. Porque deixou de ser óbvio a partir do momento em que ele começou a manipular as suas manifestações, o pouco que lhe passa do pensamento para os gestos! E a frieza com que me trata - a mim, às situações... não, não pode ser insegurança, de forma alguma. Pelo menos dele. Mas apenas talvez minha.





Como vai ser depois?


Quando ele olha para mim, quando eu olho os olhos dele... eu vejo algo genuíno, algo sensível, uma porcelana da mais fina e pura e verdadeira. Sem camadas de fingimentos, medos ou outras coberturas... só nós os dois. Nesses momentos, como também agora, eu tenho uma vontade. Imagino que, um dia, o tempo possa parar para nós os dois, num qualquer encontro casual. Imagino que o tempo possa parar, estagnar tudo à nossa volta, todas as pessoas, todos os olhos apontados a nós parariam... o tempo pararia para nós. Nesse momento parado, inerte, em que tudo é incolor à nossa volta, não sei se incolor, será mais insignificante, só nós somos a cores, tu tens a tua camisola 7. Depois de nos olharmos nos olhos por algum tempo, não sei quanto, uma vez que ele está parado, depois de sentir já ter conseguio chegar onde queria dentro de ti, depois de sentir que bati lá no fundo de ti, eu voltaria dessa viagem interior para o mundo, piscaria os meus olhos e olharia novamente os teus, tão doces, parecem de um chocolate clarinho, dão vontade de beijar nas pálpebras... depois de te olhar novamente, eu iria, espontaneamente, sem medo, sem esforço - já disse, seríamos só nós os dois - levantar a minha mão, devagar, muito devagarinho, não fosses pensar que quereria bater-te, e, suavemente - o tempo parou - eu passaria a minha mão na tua pele. Instante mágico, esse. A resposta perfeita seria que te deixasses embalar pelo carinho que te transmito na ponta dos dedos, que acompanhasses a minha mão com um suave deitar da tua face sobre ela, de olhos fechados, quem sabe, disfrutando desse momento de carinho que podia agradar-te. E este momento já vem sendo mais longo do que em qualquer dimensão o poderia ser. Excepto naquela, talvez...
Depois disto... olharmo-nos-íamos, de novo, sem vergonha, sem embaraço, sem alegria ou expectativa - somos só os dois, repito! - e, depois disso, tu darias um passo em frente, avançando para mim - um pequeno passo em frente, sem pressas nem anseios nem nada - e eu encostaria a cabeça no teu peito, o ouvido no teu peito, no teu coração, e mais uma vez, por um tempo sem definição, eu ficaria a escutar esse pulsar vital da tua vida, da tua existência, e da felicidade da minha. Pum. Pum. Pum. Pum. Pum. Pum. Pum. Como se fosses um bebé. Ou como se fosse eu o bebé, afasgas-me o cabelo, muito levemente, muito suavemente, muito carinhosamente.
E sem saber porquê, sem saber porque me demito de ouvir-te viver, levanto a cabeça, olho-te. Encontro o teu olhar pelo caminho. Um pouco mais grave, desta vez. Don't be silly, you can see it in her eyes. Não há medo, não há insegurança, não há escuridão nem fragilidades. Só há nós, o nosso olhar que é um, os teus lábios que nunca te disse como são bonitos, carnudos, bem contornados. o teu nariz que subitamente toca a minha testa, que escorre pela cana do meu como escorre uma mão pelopeito de uma mulher, mas sem nada mais que nós dois, sem frio ou calor, ou outra coisa mais senão amor... a ponta do teu nariz, perfeitamente redonda, passeia lentamente no meu até lhe chegar à ponta, e as pontas dos nossos narizes estarem unidas. e os nossos olhos fechados, entretanto...
Corres, com a ponta do teu nariz, de novo, até à minha testa. Devagar. Devagar. Devagarinho.
Somos só nós. Não há medo, não há outros, não há insegurança, não há "e depois", não há nada - senão amor. Há só nós neste momento indefinido, de que nunca será possível saber a duração real, na verdade. Há só os teus lábios perto dos meus. Há só um momento em que, pela minha pequenez, o meu lábio superior toca o teu lábio inferior. Tocaram-se. Abraçaram-se. Prenderam-se, um no outro, por breves ou eternos momentos ou instantes. Ou por tempo indefinido... encaixaram. Tocaram-se. Desprenderam-se novamente. E permanecemos de olhos fechados, assim, junto um do outro. Pensei, Como vai ser depois? E ele respondeu-me, pensando (words are violent, break the silence) Vai ser sempre assim, de instante em instante, de momento em momento. De Tempo em Tempo.

O Tempo voltou a correr. Num horrível dia, o tempo voltou. E lá estavam as outras pessoas. Tudo, todos, coloridos, outra vez. E nós, no meio da rua - já agora, na frente do colégio, de pé, no passeio - permanecíamos junto um do outro, de olhos fechados. Até que, num repente simultâneo, nos afastámos. Beijaste-me? perguntou, estupefacto, impávido, nada sereno. Não, respondi, envergonhada,amedrontada, denunciada.
Olhámo-nos em pânico durante alguns segundos.
E depois beijou-me apaixonadamente.

4/ 12/ 2008

The easier is not the best

Reconheço nas diversas pessoas que me rodeiam diferentes tipos de problemas. Obviamente, cada um tem os seus. Mas de há algum tempo para cá distingo origens distintas destes mesmos problemas, e creio que as suas fontes, a sua razão de ser, dividem as pessoas, os grupos. Por vezes, dividem-nos mesmo a nós próprios.
Refiro-me, em certa medida, a estas pessoas da geração MSN (escreve-se assim!) e do telemóvel. A estas pessoas a quem excita a mente e os sentidos comunicar virtualmemente, num mundo a pixels, não tendo que olhar nos olhos de ninguém. Mas que, se necessário, passam toda uma conversação a babar-se para a fotografia de exibição do MSN. Esta geração Hi5, que quer integrar-se forçosamente no miserável mainstream, com fotos a preto e branco, com sorrisos falsos julgando tornar a fotografia mais bonita, fazendo questão de exibir o seu corpo esbelto (ou não, não interessa... aproveita-se o melhor dele) e a sua personalidade tão demarcada. Sempre as mesmas poses, fofas, envergonhadas, "eu marota" "eu pensativa" "eu tistinhah". "Eu monte de merda"! E eu, que me julgo uma pessoa tão simples e tecnologicamente atrasada a ponto de odiar o Hi5? Que papel tenho eu no meio desta sociedade, que futuro tenho, que forma de me afirmar?
Este é, creio, um dos problemas dos jovens de hoje em dia. Apesar de um problema social é também um problema individual, creio eu. Mas não era a este tipo de problemas que me referia anteriormente. Refiro-me áquilo que vejo individualmente, em cada pessoa que observo, nomeadamente nas que conheço melhor. E creio que esta divisão se vem acentuando.
Que o país e o mundo atravessam uma crise financeira, não é novidade. No entanto, o que me chama a atenção é a faceta social da dita crise, para a qual acredito que este descalabro na economia esteja realmente a contribuir.
Uma verdadeira crise! Não nas cotações da Bolsa, mas nos valores com os quais as pessoas são cotadas! Talvez sejam os sinais dos tempos - dentro de anos poderei achar estas considerações ridículas. Cada tempo, cada fase da evolução necessita de uma mentalidade rejuvenescida, de novos olhos para ser encarada com justiça. Ao viver nesta geração, talvez não possa encarar estas vivências com a sensatez devida. Mas, em verdade, é isto que sinto. Por um lado, todos os jovens são encarados como nascidos desta mesma bolsa, "todos do mesmo saco": uma geração que a tecnologia, a vaidade e a superficialidade prenderam dentro de si. Por outro lado, a noção de que um grupo restrito destes jovens apresenta a maturidade e o conjunto mínimo de valores essenciais à formação de um alguém versátil e empenhado. Refiro-me à raíz do problema que exponho: aqueles que têm tudo e aqueles que nada têm.
Revolta-me, do fundo de mim, olhar para as pessoas à minha volta , perceber aquilo que têm e de que dipõem e aquilo que realmente faezm disso, aquilo (em) que (se) transformam. Não falo apenas dos meios materiais, mas em todos: não me refiro a nenhum caso em concreto, porque não posso julgar tudo acerca de quem quer que seja. Mas posso deduzir. E são casos coincidentes a mais para que esteja enganada.
Como pode alguém que tenha tido uma boa educação, um ambiente familiar estável, carinho e compreensão e todos os meios económicos ao dispor, poder não fazer nada dos meios que possui? Como pode o objectivo de vida de alguém a quem tudo é dado ser ir passear até à escola, chegar a casa e deixar a louça suja em cima da mesa e fazer um bom serão de MSN, acabando a noite em beleza com uma boa sessão de SMS? Não está em causa a capacidade intelectual das pessoa, mas sim o esforço, o empenho e formação a nível moral.
Contrapondo: como pode alguém com um ambiente familiar não tão estável, talvez com lacunas afectivas que alguém tenha deixado por preencher, com meios económicos não tão vastos (muitas vezes bastante limitados, até) que pega em cada pequeno pedaço de oportunidade para se esforçar mais, trabalhar mais, formar-se mais como pessoa, pedir sempre melhor! Como é possível que, muitas vezes, este tipo de pessoas que chega a abdicar de sonhos para tentar edificar um futuro (com alguma garra que talvez tenha ainda sobrado da desilusão...) possa sair a perder? E como se explica qie aqueles que que possuem estes meios abdiquem também dos seus sonhos... por falta de vontade? Por preguiça... ou simplesmente por não terem sonhos...
Cada caso é um caso, é certo. Pessoas há que, com posses económicas, não são assim tão felizes. Mas num mundo em que o valor monetário se tornou tão importante, como podem estes não pensar nos projectos magníficos que podemos oferecer a nós próprios? Que poderão dizer aqueles que, sem posses (e muitas vezes já sem vontade) vêm os seus sonhos desvanecer-se, ou fecharem-se na gaveta?
Estou, como me parece óbvio, a generalizar a situação (nunca a particularizá-la), visto ser esta a minha perspectiva. E para provar que não estou a vitimizar quem quer que seja nem a fazer a apologia do coitadinho, digo: the easier is not the best (não sei porque penso, às vezes, em inglês...). O mais fácil não é o melhor, o mais simples não é o caminho mais acertado!
Há pessoas para quem (julgo) acho que tal preceito seja difícil de entender. Pessoas para quem olho, que vergam constantemente à menor adversidade. Pessoas com medo de se comprometer, de se desiludir e magoar, de falhar. De trabalhar, de se cansar! Que preferem não tentar, porque dá muito trabalho...
No fundo, muitos de nós preferem seguir um caminho de veludo e passadeira vermelha a um caminho de pedra. Mas o segredo está em contrariar esta vontade e ganhar gosto em fazer alguma coisa, seja ela qual for, e fazer disso um projecto. Porque não me revoltam verdadeiramente as pessoas sem vontade (acontece-nos a todos) mas as pessoas sem gosto em nada, sem sonhos! Revoltam-me as que escolhem o caminho mais bonito por ser mais fácil, que fogem da adversidade e não sabem usar a própria cabeça para resolver problemas. Nem os mais simples... entristecem-me aqueles que não têm respeito àquilo e àqueles que têm.
Como costumam dizer nos filmes, nunca ninguém disse que ia ser fácil. E se nunca disseram que ia ser fácil, porque insiste esta geração em procuarar o facilitismo? Não é necessário procurar muito, tudo aquilo de que alguém precisa para se lançar tem muito de esforço e dedicação, tanto quanto como de convicção, vontade e garra - tudo coisas que cada um encontra dentro de si. As adversidades são raios de sol nos caminhos tumultuosos e manchas negras nas passadeiras vermelhas.

Como também alguém disse... a sorte protege os audazes. Mas quem serão os audazes destes tempos? Os que têm a coragem de se exibir em Hi5s ou aqueles que tentam sair do anonimato desta sociedade pelo seu esforço e mérito pessoal?
Não sei ao certo... mas boa sorte para os audazes, de qualquer forma.


Para AM e AM
8/10/2008