setembro 07, 2009

São como flores brancas...

Nas noites em que durmo de sono leve - porque a minha mente engendrou um plano de me anestesiar completamente durante a noite para atenuar os menos radiosos sofrimentos diurnos - eu tenho sonhos, por vezes. E raramente sonhei contigo na minha vida, a sério. Mas em épocas de conturbação na nossa relação, fosse ela boa ou má, eu tive sonhos contigo. Alguns fizeram-me sentir coisas que, em pessoa, talvez nunca me farás sentir... simplesmente servi-me da tua imagem para dela fazer irradiar os sentimentos mais bonitos que acho que podes ter dentro de ti.
Desculpa-me. Porque, realmente, não és perfeito. Nunca mais vou olhar-te com a perfeição divinal que já achei, um dia, que tivesses. Mesmo assim, não te via perfeito por te querer cega e estupidamente, via-te perfeito porque te via ideal para mim. Via que podias contrariar-me, ensinar-me, amar-me, e tantas coisas mais...

Eu vi tudo em ti. Agora fora de sonhos, fora de todas as estúpidas realidades que envolvem cada um de nós dois, que nos separam abismalmente e nos fazem parecer fenómenos de descompreensão mútua, eu vi tudo em ti, eu vi a tua alma. E foi já naquela tão distante infância que me apercebi disso. Sabes como foi olhar para ti, há já quase 8 anos, e sentir que estava a sentir algo que nunca antes tinha sentido? Posso dizer que desfloraste os meus sentimentos...
Eu olhava para a tua casa, que me parecia enorme, só para ver se te via. Esperava um dia lá entrar, conhecer as tuas coisas, sentir o teu cheiro... entrar dentro de ti! Admirava a própria arquitectura da casa, que sempre me pareceu muito bonita e fora do vulgar. E houve sempre um pequenino pormenor que para mim fazia toda a diferença: aquela coluna de xisto na frente da casa à volta da qual, no Verão, rebentava uma explosão de pequeninas flores brancas e folhinhas verdes. Aquilo sempre teve uma beleza especial para mim... se me perguntares porquê, não faço ideia. Talvez imaginasse que, um dia, poderias fazer-me sentir uma florzinha frágil se me oferecesses um raminho delas - fazer-me sentir uma flor frágil e delicada, ternurenta e desprotegida, que pudesse refugiar-se de todo o perigo do Mundo no teu regaço. Pois no teu regaço, e a cada dia que dele saí para não mais voltar, julgava eu, eu me senti apenas na obrigação de ser não a flor, mas a mulher - não pequenina, mas mais forte, mais fria, dura, inatingível. A mulher mais dura e insensível.
Talvez um dia eu tenha sonhado que me desflorasses, no sentido sexual do termo, que fosses o primeiro a chegar às profundezas do meu ser, em todos os sentidos, que compreendesses que uma flor precisa de rega e adubação, num sentido metafórico-afectivo - ou então, uma flor murcha...

talvez um dia tenha até estupidamente vislumbrado pôr-me dentro de um vestido branco todo bordado nessas flores naturais (como ficaria bonito se fosse possível!),

talvez tenha um dia sonhado ter também eu um pilar em xisto na fronte da minha casa, junto da qual pudesse plantar essa misteriosa trepadeira - contigo... porque sem ti muito deste imaginário perderia o sentido.

Imaginei que um dia pudesses encher-me uma cama dessas pequenas florzinhas brancas, tocar-me com elas, fazer-me cócegas com elas, mimar-me, de alguma forma... imagino até que me escorrem florzinhas dessas pelo rosto abaixo à altura em que escrevo este texto, elas brotam-me dos olhos com a suavidade e solenidade de lágrimas, vão desabrochando à medida que rolam pelo meu rosto e se amontoam em flores murchas de Outono no sítio onde caem, até se decomporem e mais flores caírem.
Elas são sentimentos, R. Cada uma delas, são sentimentos, emoções que se abrem, que desabrocham e que assim se expressam. São sentimentos que o meu olhar mostra de vez em quando, ou então são emoções guardadas que têm esperança de saír cá para fora e brotam dos meus olhos com a intensidade incontrolável de rios e a candura de pérolas.

São como flores brancas, R.

Tu pensas que são farsas, R., eu sei. Mas informo-te de que não sou assim tão boa actriz. O que não percebes, R., para me acusares de chorar falsas lágrimas... o que tu não percebes, para me acusares disso, é a forma estúpida de como gosto de ti.
O teu olhar tem algo de especial, baralha-me imediatamente após recair sobre mim e remexe cá dentro. Abana-me, arrepia-me. Envolve-me... e as tuas palavras, essas atingem-me as emoções em segundos, e atingem-me fortemente. Como se o meu coração ficasse, ao pé de ti, um ninho de flores brancas, pequeninas e encolhidas, e tu chegasses lá e espetasses nele uma facada impiedosa e toda aquela brancura se enchesse de sangue. As tuas palavras são terríveis para mim, R., a visão do teu rosto é terrível para mim, a convivência contigo mata-me em vez de me dar vida! Que estranho caso de amor - ódio...

Desfloraste-me toda: a mim, aos meus sentimentos, à minha dor... todo o meu imaginário amoroso perderá o fulgor sem ti. Todas as recordações, vou guardá-las num canto escuro da memória. Aos momentos maus, vou tentar dar o mesmo destino.

(it hurts like nothing will ever hurt, it hurts like hell.)

Não será fácil amar-te em silêncio, acordar com lágrimas nos olhos, fingir ver noutros a plenitude e o encaixe perfeito! Mas voltarei a viver, R.
Voltarei a viver quando sobre a recordação do teu rosto eu conseguir deitar um raminho dessas flores brancas. Como se sobre um campa as poisasse.
o termo "cachorrinho" foi indevidamente utilizado no texto "o rapaz da camisola 7". por tal, as minhas desculpas.

Inês Silva