dezembro 15, 2008

O rapaz da camisola 7

Quando ele olha para mim...



Quando ele olha para mim. Eu sinto que ele não olha. Porque ele continua a olhar com os olhos dele. Ele não se expatria de si para olhar para mim.



No entanto, quando ele olha para mim, quando os seus olhos, escondidos nos seus traços romanos, apontam para a minha direcção, eu sinto-lhe a alma. O coração. Que tanta gente diz não conseguir ver. De tão escondido que está.



Dói-me mais quando ele não olha, ou melhor, quando olha e depois desvia. Não me custa aguentar o olhar dele - é doce, inocente, quando destapado; quando é camuflado por ele, continua o mesmo olhar inteligente e comum e insane, que toda a gente vê. Mas nalgumas vezes o vi doce, querido. Olhar de cachorrinho, vindo de uma face quase bonita demais para existir. Como não suportar isto? Se nalguma vez - ou nas muitas vezes - desviei o meu olhar foi por não querer denunciar-me, ter medo que isso acontecesse sem eu o poder controlar.



No entanto, achei por bem começar a dar ouvidos aos comentários mais maléficos: achas que te serve, achas que é para ti? Vocês não têm nada em comum... Mas aquela qualquer coisa estúpida que me fazia ver coisas bonitas e interessantes nele não foi embora - decidiu apenas recolher-se, após mostrar algumdo seu brilho, mas não ver qualquer luz de concordância do outro lado da escuridão.



Escureci, também eu. Do outro lado da escuridão, ninguém conseguiu mais ver-me porque desliguei o meu interruptor interior. Desliguei-o, apenas. Num momento, de cabeça baixa e olhos secos, apaguei-me a mim própria. Clic. Não faz sentido não conseguir, ser ignorada, esquecer-se as pequenas conquistas... e a luz que já brilhava... nada fez sentido. E eu deixei de o fazer também.







Ironia das ironias - apareceu-me o 7 na camisola dele. Lá estampado. apareceu-me. mesmo à frente dos meus olhos, que se abriram como nunca. Primeiro pensei, não, deixa lá ver bem se não é um 1 mal desenhado, ou um Z, ou qualquer outra coisa que não um 7. Não, não pode ser um 7! Sem querer ser demasiado supersticiosa ou fazer disto um milagre ou um sinal. Mas parece que saiu da fila de montagem de uma fábrica, acabado de embalar, e o número de série dele é o 7. Como se dissessem "este é para ti, Inês!".



Eu não sei, não sei, não sei! Dão-me garra as pessoas complicadas, tempestuosas, vulcânicas - mas estou habituada a que, ainda assim, sejam óbvias. Não estava preparada para uma pessoa inteligente, complicada, que parece segura de si e das suas atitudes - e nada óbvia. Ou o pouco de óbvio que poderia retirar-se disto, deixou de existir. Porque deixou de ser óbvio a partir do momento em que ele começou a manipular as suas manifestações, o pouco que lhe passa do pensamento para os gestos! E a frieza com que me trata - a mim, às situações... não, não pode ser insegurança, de forma alguma. Pelo menos dele. Mas apenas talvez minha.





Como vai ser depois?


Quando ele olha para mim, quando eu olho os olhos dele... eu vejo algo genuíno, algo sensível, uma porcelana da mais fina e pura e verdadeira. Sem camadas de fingimentos, medos ou outras coberturas... só nós os dois. Nesses momentos, como também agora, eu tenho uma vontade. Imagino que, um dia, o tempo possa parar para nós os dois, num qualquer encontro casual. Imagino que o tempo possa parar, estagnar tudo à nossa volta, todas as pessoas, todos os olhos apontados a nós parariam... o tempo pararia para nós. Nesse momento parado, inerte, em que tudo é incolor à nossa volta, não sei se incolor, será mais insignificante, só nós somos a cores, tu tens a tua camisola 7. Depois de nos olharmos nos olhos por algum tempo, não sei quanto, uma vez que ele está parado, depois de sentir já ter conseguio chegar onde queria dentro de ti, depois de sentir que bati lá no fundo de ti, eu voltaria dessa viagem interior para o mundo, piscaria os meus olhos e olharia novamente os teus, tão doces, parecem de um chocolate clarinho, dão vontade de beijar nas pálpebras... depois de te olhar novamente, eu iria, espontaneamente, sem medo, sem esforço - já disse, seríamos só nós os dois - levantar a minha mão, devagar, muito devagarinho, não fosses pensar que quereria bater-te, e, suavemente - o tempo parou - eu passaria a minha mão na tua pele. Instante mágico, esse. A resposta perfeita seria que te deixasses embalar pelo carinho que te transmito na ponta dos dedos, que acompanhasses a minha mão com um suave deitar da tua face sobre ela, de olhos fechados, quem sabe, disfrutando desse momento de carinho que podia agradar-te. E este momento já vem sendo mais longo do que em qualquer dimensão o poderia ser. Excepto naquela, talvez...
Depois disto... olharmo-nos-íamos, de novo, sem vergonha, sem embaraço, sem alegria ou expectativa - somos só os dois, repito! - e, depois disso, tu darias um passo em frente, avançando para mim - um pequeno passo em frente, sem pressas nem anseios nem nada - e eu encostaria a cabeça no teu peito, o ouvido no teu peito, no teu coração, e mais uma vez, por um tempo sem definição, eu ficaria a escutar esse pulsar vital da tua vida, da tua existência, e da felicidade da minha. Pum. Pum. Pum. Pum. Pum. Pum. Pum. Como se fosses um bebé. Ou como se fosse eu o bebé, afasgas-me o cabelo, muito levemente, muito suavemente, muito carinhosamente.
E sem saber porquê, sem saber porque me demito de ouvir-te viver, levanto a cabeça, olho-te. Encontro o teu olhar pelo caminho. Um pouco mais grave, desta vez. Don't be silly, you can see it in her eyes. Não há medo, não há insegurança, não há escuridão nem fragilidades. Só há nós, o nosso olhar que é um, os teus lábios que nunca te disse como são bonitos, carnudos, bem contornados. o teu nariz que subitamente toca a minha testa, que escorre pela cana do meu como escorre uma mão pelopeito de uma mulher, mas sem nada mais que nós dois, sem frio ou calor, ou outra coisa mais senão amor... a ponta do teu nariz, perfeitamente redonda, passeia lentamente no meu até lhe chegar à ponta, e as pontas dos nossos narizes estarem unidas. e os nossos olhos fechados, entretanto...
Corres, com a ponta do teu nariz, de novo, até à minha testa. Devagar. Devagar. Devagarinho.
Somos só nós. Não há medo, não há outros, não há insegurança, não há "e depois", não há nada - senão amor. Há só nós neste momento indefinido, de que nunca será possível saber a duração real, na verdade. Há só os teus lábios perto dos meus. Há só um momento em que, pela minha pequenez, o meu lábio superior toca o teu lábio inferior. Tocaram-se. Abraçaram-se. Prenderam-se, um no outro, por breves ou eternos momentos ou instantes. Ou por tempo indefinido... encaixaram. Tocaram-se. Desprenderam-se novamente. E permanecemos de olhos fechados, assim, junto um do outro. Pensei, Como vai ser depois? E ele respondeu-me, pensando (words are violent, break the silence) Vai ser sempre assim, de instante em instante, de momento em momento. De Tempo em Tempo.

O Tempo voltou a correr. Num horrível dia, o tempo voltou. E lá estavam as outras pessoas. Tudo, todos, coloridos, outra vez. E nós, no meio da rua - já agora, na frente do colégio, de pé, no passeio - permanecíamos junto um do outro, de olhos fechados. Até que, num repente simultâneo, nos afastámos. Beijaste-me? perguntou, estupefacto, impávido, nada sereno. Não, respondi, envergonhada,amedrontada, denunciada.
Olhámo-nos em pânico durante alguns segundos.
E depois beijou-me apaixonadamente.

4/ 12/ 2008

The easier is not the best

Reconheço nas diversas pessoas que me rodeiam diferentes tipos de problemas. Obviamente, cada um tem os seus. Mas de há algum tempo para cá distingo origens distintas destes mesmos problemas, e creio que as suas fontes, a sua razão de ser, dividem as pessoas, os grupos. Por vezes, dividem-nos mesmo a nós próprios.
Refiro-me, em certa medida, a estas pessoas da geração MSN (escreve-se assim!) e do telemóvel. A estas pessoas a quem excita a mente e os sentidos comunicar virtualmemente, num mundo a pixels, não tendo que olhar nos olhos de ninguém. Mas que, se necessário, passam toda uma conversação a babar-se para a fotografia de exibição do MSN. Esta geração Hi5, que quer integrar-se forçosamente no miserável mainstream, com fotos a preto e branco, com sorrisos falsos julgando tornar a fotografia mais bonita, fazendo questão de exibir o seu corpo esbelto (ou não, não interessa... aproveita-se o melhor dele) e a sua personalidade tão demarcada. Sempre as mesmas poses, fofas, envergonhadas, "eu marota" "eu pensativa" "eu tistinhah". "Eu monte de merda"! E eu, que me julgo uma pessoa tão simples e tecnologicamente atrasada a ponto de odiar o Hi5? Que papel tenho eu no meio desta sociedade, que futuro tenho, que forma de me afirmar?
Este é, creio, um dos problemas dos jovens de hoje em dia. Apesar de um problema social é também um problema individual, creio eu. Mas não era a este tipo de problemas que me referia anteriormente. Refiro-me áquilo que vejo individualmente, em cada pessoa que observo, nomeadamente nas que conheço melhor. E creio que esta divisão se vem acentuando.
Que o país e o mundo atravessam uma crise financeira, não é novidade. No entanto, o que me chama a atenção é a faceta social da dita crise, para a qual acredito que este descalabro na economia esteja realmente a contribuir.
Uma verdadeira crise! Não nas cotações da Bolsa, mas nos valores com os quais as pessoas são cotadas! Talvez sejam os sinais dos tempos - dentro de anos poderei achar estas considerações ridículas. Cada tempo, cada fase da evolução necessita de uma mentalidade rejuvenescida, de novos olhos para ser encarada com justiça. Ao viver nesta geração, talvez não possa encarar estas vivências com a sensatez devida. Mas, em verdade, é isto que sinto. Por um lado, todos os jovens são encarados como nascidos desta mesma bolsa, "todos do mesmo saco": uma geração que a tecnologia, a vaidade e a superficialidade prenderam dentro de si. Por outro lado, a noção de que um grupo restrito destes jovens apresenta a maturidade e o conjunto mínimo de valores essenciais à formação de um alguém versátil e empenhado. Refiro-me à raíz do problema que exponho: aqueles que têm tudo e aqueles que nada têm.
Revolta-me, do fundo de mim, olhar para as pessoas à minha volta , perceber aquilo que têm e de que dipõem e aquilo que realmente faezm disso, aquilo (em) que (se) transformam. Não falo apenas dos meios materiais, mas em todos: não me refiro a nenhum caso em concreto, porque não posso julgar tudo acerca de quem quer que seja. Mas posso deduzir. E são casos coincidentes a mais para que esteja enganada.
Como pode alguém que tenha tido uma boa educação, um ambiente familiar estável, carinho e compreensão e todos os meios económicos ao dispor, poder não fazer nada dos meios que possui? Como pode o objectivo de vida de alguém a quem tudo é dado ser ir passear até à escola, chegar a casa e deixar a louça suja em cima da mesa e fazer um bom serão de MSN, acabando a noite em beleza com uma boa sessão de SMS? Não está em causa a capacidade intelectual das pessoa, mas sim o esforço, o empenho e formação a nível moral.
Contrapondo: como pode alguém com um ambiente familiar não tão estável, talvez com lacunas afectivas que alguém tenha deixado por preencher, com meios económicos não tão vastos (muitas vezes bastante limitados, até) que pega em cada pequeno pedaço de oportunidade para se esforçar mais, trabalhar mais, formar-se mais como pessoa, pedir sempre melhor! Como é possível que, muitas vezes, este tipo de pessoas que chega a abdicar de sonhos para tentar edificar um futuro (com alguma garra que talvez tenha ainda sobrado da desilusão...) possa sair a perder? E como se explica qie aqueles que que possuem estes meios abdiquem também dos seus sonhos... por falta de vontade? Por preguiça... ou simplesmente por não terem sonhos...
Cada caso é um caso, é certo. Pessoas há que, com posses económicas, não são assim tão felizes. Mas num mundo em que o valor monetário se tornou tão importante, como podem estes não pensar nos projectos magníficos que podemos oferecer a nós próprios? Que poderão dizer aqueles que, sem posses (e muitas vezes já sem vontade) vêm os seus sonhos desvanecer-se, ou fecharem-se na gaveta?
Estou, como me parece óbvio, a generalizar a situação (nunca a particularizá-la), visto ser esta a minha perspectiva. E para provar que não estou a vitimizar quem quer que seja nem a fazer a apologia do coitadinho, digo: the easier is not the best (não sei porque penso, às vezes, em inglês...). O mais fácil não é o melhor, o mais simples não é o caminho mais acertado!
Há pessoas para quem (julgo) acho que tal preceito seja difícil de entender. Pessoas para quem olho, que vergam constantemente à menor adversidade. Pessoas com medo de se comprometer, de se desiludir e magoar, de falhar. De trabalhar, de se cansar! Que preferem não tentar, porque dá muito trabalho...
No fundo, muitos de nós preferem seguir um caminho de veludo e passadeira vermelha a um caminho de pedra. Mas o segredo está em contrariar esta vontade e ganhar gosto em fazer alguma coisa, seja ela qual for, e fazer disso um projecto. Porque não me revoltam verdadeiramente as pessoas sem vontade (acontece-nos a todos) mas as pessoas sem gosto em nada, sem sonhos! Revoltam-me as que escolhem o caminho mais bonito por ser mais fácil, que fogem da adversidade e não sabem usar a própria cabeça para resolver problemas. Nem os mais simples... entristecem-me aqueles que não têm respeito àquilo e àqueles que têm.
Como costumam dizer nos filmes, nunca ninguém disse que ia ser fácil. E se nunca disseram que ia ser fácil, porque insiste esta geração em procuarar o facilitismo? Não é necessário procurar muito, tudo aquilo de que alguém precisa para se lançar tem muito de esforço e dedicação, tanto quanto como de convicção, vontade e garra - tudo coisas que cada um encontra dentro de si. As adversidades são raios de sol nos caminhos tumultuosos e manchas negras nas passadeiras vermelhas.

Como também alguém disse... a sorte protege os audazes. Mas quem serão os audazes destes tempos? Os que têm a coragem de se exibir em Hi5s ou aqueles que tentam sair do anonimato desta sociedade pelo seu esforço e mérito pessoal?
Não sei ao certo... mas boa sorte para os audazes, de qualquer forma.


Para AM e AM
8/10/2008

agosto 07, 2008

Álcool

Ouve-se, ao longe, o carro chegar.

Ouve-se o carro chegar mais perto.

Ouvem-se os passos nas escadas. A porta abre, a porta fecha.

Tudo na cozinha mexe. O frigorífico abre vezes sem conta, as latas mexem, os frascos, o caixote do lixo, a lata do pão, tudo abre e fecha vezes sem conta. Repetidas vezes mexem os mesmos objectos.

O autoclismo é descarregado.



Agora noto melhor. Pareço ter ouvido tísico, mas não... é apenas treino. O intervalo de tempo que meço separar cada passo dá-me a quase certeza de que um torpedo sem equilíbrio se arrasta de parede em parede na cozinha.

Repete os mesmos movimentos. O frigorífico, as latas, os frascos, o caixote do lixo, a lata do pão... todos os movimentos se repetem, tudo mexe. Tudo faz barulho. Do género "então? cheguei a casa! não há ninguém nem nenhum banquete à minha espera??"
E a minha paciência esmorece. Os meus sonhos, a minha vontade, a minha alegria, até mesmo o meu corpo... tudo esmorece em mim. Subitamente, os meus músculos são também eles pesados e sem força... como que numa relação de causa - efeito. Ele bebe e deambula. Eu esmoreço, e vou dormir para só amanhã acordar.

julho 26, 2008

As minhas mãos

Muitas vezes subestimamos aquilo que temos. Aquilo que naturalmente nasce connosco - pés, pernas, braços... mãos. Mãos tão singelas, de papel tão singular na vida de todos nós. Principalmente na minha vida...
Sempre menosprezei o poder das minhas mãos. Quando olhava para as mãos muito mais femininas das minhas amigas - dedos compridos, delgados, ossudos, unhas belíssimas - olhava, comparando, para as minhas mãos de dedos curtos e gordos. Que tristeza sentia! Que bom seria ter um par de mãos bonitas como aquelas.
Depois veio o desgosto de querer aprender um instrumento musical e achar que "não tinha mãos para a coisa". Cheguei a pegar na guitarra mas cedo desisti, até que chegou o violino à minha vida. O violino, sempre tão exigente: não só em termos de inteligência musical, mas também no que toca à destreza física dos meios disponíveis para fazer o instrumento falar, as mãos - nomeadamente, os dedos.

Oh professor, mas eu não tenho mãos para o violino! Os meus dedos são curtos e isso dificulta tudo...

ao que ele sempre me respondia

Não digas isso porque tive uma professora de violino com umas mãos muito mais pequenas que as tuas... e ela toca sem dificuldade alguma.

Simpatia ou não, aquilo sempre me dava um pouco mais de ânimo. Agora, depois de um ano e oito meses a insistir (apesar de não muito...) na aprendizagem do violino, noto algumas diferenças nos meus instrumentos físicos que expressam a minha arte: não sei se da prática do violino ou se por outro factor biológico...noto as minhas mãos mais magras, de veias mais salientes, e... de dedos um pouco mais alongados e magros. Um pouco, só. O que a mim já me faz algo feliz!

Há alguns dias escrevia para o blog e dei-me conta deste facto. Apesar de preferir escrever no papel, também é agradável ouvir o barulho de cada letra sair das teclas... e aí, enquanto escrevia, olhei as minhas mãos. Os meus olhos pairaram sobre elas em vez de sobre as letras do teclado. E dei-me conta de quão belas eram! Não pelo seu aspecto físico, já! Mas sim por aquilo que me permitiam fazer. As minhas mãos permitem-me escrever, à mão ou no computador, assim como também me permitem que (tente) tocar o violino. As minhas mãos permitem-me desenhar, permitem-me moldar barro. Permitem-me cumprimentar, servir, fazer a cama onde me deito... permitem-me acarinhar... com um simples gesto, tocar alguém. Permitem-me acariciar, fazer massagens, limpar lágrimas, puxar cabelos ou até dar um estalo. Permitem-me amar! E é isso que mais gosto nelas.
Claro que há também o lado oposto, como em tudo na vida... se me permitem amar, permitem-me também odiar. Destruir. Matar. Mas a beleza que me sinto chamada a construir é muito mais forte do que qualquer apelo à neutralidade... e apesar de as mãos de toda a gente mexerem em merda, todas têm também a oportunidade de ser lavadas.

Nesse dia, eu senti que as minhas mãos são o que de mais precioso possuo para trabalhar (n)o mundo - como instrumentos que fazem depender o pegar num pedaço de barro e fazê-lo parecer um monte de bosta... ou uma bela escultura. E senti que nunca tinha agradecido por elas.
Tão preciosas. As minhas mãos.




(Já diz o outro... "I can change the world with my own two hands") *

julho 15, 2008

(nozes) Podres

É de súbitos momentos, assim, que me nasce este inconformismo maior no peito e que entra este vulcão da minha raiva em erupção. Passo a explicar.
Cheguei da Caravana - se ainda não o explicitei, um retiro espiritual - há alguns dias, de manhã. Apesar de estar cansada senti a necessidade palpitante de me não deixar abater pelo mundo neste primeiro dia de atmosfera normal (confesso que guardo ainda um pensamento intermitente de deixar novamente esta merda - perdoem o termo, porque eu até gosto de aqui estar - e voltar para a Caravana. Parece ser lá o meu lugar, e isto aqui e agora é que vai acabar rapidamente para voltar...ah, não acredito que me lançaram às feras outra vez.). E como comunicadora assumida que espero vir a ser, que podia eu mais ter feito? É claro que liguei a televisão para ver as notícias (depois de uma semana sem televisão, devo confessar que senti alguma falta de consumir informação...).
Notícias que, no fundo, não eram bem notícias - disse-me a minha falta de bom senso. Gente que morre em guerras lá para os lados do Oriente, portugueses que vivem cada vez pior porque o primeiro ministro é um-este-e-um-aquele, o apito dourado que parece que não anda para a frente, blá blá blá...decidi-me a retornar ao meu quarto, após certificar-me de que o mundo não tinha mudado na minha ausência. Quando, num repente, o ouvir de uma notícia que me entrou ouvido adentro me faz levantar da cama e vir espreitar à porta do quarto para ver a televisão.
O meu pai estava na sala, sentado à mesa, a almoçar. Ambos assistíamos à notícia. "Quinze mexicanos morrem quando tentavam chegar aos Estados Unidos da América numa pequena embarcação de madeira. Este é mais um exemplo de tentativas de entrada ilegal no país por parte de muitos sul-americanos (...). Das quinze vítimas, nove eram crianças" (se não me trai a memória, penso serem estes os dados exactos da notícia).
Aquela frase ecoou na minha cabeça............nove eram crianças.NOVE ERAM CRIANÇAS.
O meu pai ganhara o estúpido hábito de comer nozes no fim das refeições. E lá estava ele, a mascar as suas estúpidas nozes. "As nozes estão todas podres", disse. Levantou-se da mesa e caminhou para a cozinha. E eu fiquei sozinha a digerir aquela notícia.
Nove crianças. Ainda hoje isto está a ecoar na minha cabeça. Naquela altura, só quis deixar o apito dourado e o primeiro ministro em paz na televisão, uma vez que parece ser lá o lugar deles, e deitar-me de novo na cama. Nove crianças morreram. Mas o comentário foi "mais uma noz podre. estão todas podres".
Realmente estão, pensei. Mas não são as nozes. São as pessoas.

julho 11, 2008

Uma grande gratidão...

Por vezes esperamos uma vida inteira por algo que parece tardar em chegar. Uma esmola do Senhor, uma luz divina que nos ilumine e nos dê um pouquinho de sorte, um pouco de amor daquele alguém que parece inalcançável...uma graça do Destino. O que a maior parte das pessoas ainda não percebeu é que... toda a felicidade possível e imaginária vem de nós. De dentro de cada um. Não estou, como é claro, a fazer a apologia da solidão: mas na solidão cada um pode encontrar dos tesouros mais preciosos que possui. Ao contrário do que eu imaginava (quando pensei encontrar na solidão a intensidade necessária a momentos marcantes e bem vividos) na solidão e na oração eu encontrei a calma, a serenidade. O mediano. O meio termo. Aquilo que, originalmente, eu odeio. Que não sou ou tenciono ser, alguma vez.
Como não o entendera antes? Nela eu encontrei o meio de equilíbrio essencial. Até porque (confesso) recorro a ela bastantes vezes. Cada vez mais frequentemente e inesperadamente...e também cada vez mais injustificadamente...muitas vezes as pessoas à minha volta não o entendem, eu sei. Mas se percebessem como é essencial e urgente, por vezes...
Talvez porque necessito não só de equilíbrio, mas também de riqueza. Riqueza que tenho encontrado nos outros (sem dúvida) mas que na grande maioria das vezes encontro no silêncio e na solidão. Na gratidão e na pequenez. Quando eu pensava que tudo isso era simples tristeza...como estava enganada. Era tudo uma grande graça (como tudo o deve ser na vida). Quando eu pensava que tudo isso era vazio...estava enganada. Tudo isso era riqueza.

Quanto mais não fosse...riqueza artística.


p.s. - pois é...nem de propósito. O meu texto antes publicado (7 anos, uma relação) sortiu o seu efeito e perseguiu-me na minha viagem de sete dias a Espanha (mais propriamente a Loyola e Xavier), a Caravana (o meu grande agradecimento pessoal a todos os que nela participaram). Qual não é o meu espanto ao verificar que o número do corredor em ficámos hospedados numa casa de jesuítas em Xavier era o número 70, e que todas as divisões do mesmo corredor possuíam o mesmo número (7) na sua contagem. Lembro especialmente a cozinha - divisão 77. Estes foram os sinais mais evidentes do 7...apesar de muitos mais se terem manifestado.

julho 01, 2008

In the end...always the same

Felt in love with your eyes
your wonderful smile...
but I just realised
you would stay just for a while

You've looked just unreal
your beautiful soul...
that is making me still
feel nothing but a hole

Asked you for the truth
you gave me nothing but lies
and in the end, it was nothing more
than a really sweet disguise...


now... I just want to forget
all that we have passed
and waiting for my chance
that will certainly come at last.

27/6/2008

7 anos, uma relação

Não me lembro de quando o número 7 passou a ser especial para mim, não me lembro de quando assumiu o estatuto que agora tem... mas lembro-me sim, desde sempre, que este estava para mim associado a boa sorte, essencialmente. No entanto, para dizer a verdade... não sei se alguma vez me trouxe "a mais pequenina esmola do destino"...
Com a adolescência veio o fazer do número 7 como que uma marca da personalidade: embora com muita teimosia, lá consegui, ao longo de mais de um ano, concretizar o projecto dos 7 furos na orelha direita. E para quem acha isto demais, declaro que se tivesse muitas mais orelhas, muitos mais furos faria... que querem? Sai mais barata esta pancada do que a de comprar roupa cara ou coleccionar carros, por exemplo. Não, não sou uma pessoa de grandes superstições... no entanto, o 7 foi aquele número com o qual me identifiquei - como se escolhesse um número, uma camisola para jogar.

Porém, há alguns dias, deparei-me com uma curiosidade interessante acerca do meu querido número.
Falava com a esposa do meu padrinho sobre relações, um pouco na base da "indirecta" - falávamos ambas daquele assunto sem propriamente o acusar. Achei que a relação deles já havia visto melhores dias... até porque todas as relações já tiveram melhores dias (refiro-me às relações a dois). Veio-me à memória, num repente, uma frase que a tia F. tinha dito uma vez: quem passa 7 anos de casamento, também passa o resto - sabedoria popular, pensei eu. S. corrigiu-me - não é sabedoria popular, é mesmo verdade.
A irmã de S. é psicóloga, ela própria lho havia já dito: de 7 em 7 anos, todas as relações sofrem grandes abalos, grandes perturbações. "Não tinha pensado nisso, que vocês já tinham passado os 7 anos", disse-lhe (o tempo corre mesmo depressa). "Pois, passámos há pouco. Mas já passámos", disse S., com cara de "custou, mas já cá estamos".
7 anos. Não será já uma grande vitória?
Parto amanhã numa viagem de 7 dias, da qual espero aqui dar notícias mais tarde...neste mês de Julho (7). Indício trágico?
Não percebo. 7. Pudera passar 7 dias seguidos na minha vida com sucesso. Pudera construir uma relação de 7 meses. Será de manter este 7 (azarado) como que uma espécie de amuleto? Será dos malditos furos na orelha?
Ou será dos (1)7 anos?

Vou por momentos pôr a hipótese de este azar constante estar associado às pessoas que me rodeiam...prefiro assim.

junho 26, 2008

Saudades que matam

Como ainda ontem dizia a alguém... eu tenho saudades. Apesar de nem toda eu o ser, o meu eu poético é assumidamente saudosista.
Não há mal algum em ser-se saudosista. Acho até que o português deve honrar as suas origens e a sua língua mãe com esta palavra, que tão gentilmente lhe foi cedida pelo tempo... o problema está, definitivamente, no tipo de saudade, por assim dizer, que é sentida. A que sinto rebentar dentro de mim mais frequentemente é uma espécie de saudade auto destrutiva...como explicar? A saudade que é sentida mesmo antes de existir. Portanto, nem consigo deduzir muito bem se será ou não justo chamar-lhe saudade.
Posso explicar este sentimento como algo complexo, como um fenómeno que acontece dentro de mim. A verdade, J, é que não tenho a certeza de saber lidar com coisas a longo prazo, ou com para sempres. E acho que não é por tua causa. mas sim por causa de mim.
Nem sei se vou aguentar-me nesse para sempre que é a vida, mais ou menos curta, se vou aguentar-me a mim própria! Como aguentar um bêbedo. Não sei se vou conseguir aguentar esta bebedeira de sentimentos que se alcoolizam dentro de mim, este cambalear doido de um bêbedo que sinto dentro de mim. Não sei se consigo amparar-me no meu caminho...pudera conseguir amparar também a tua felicidade.
Mas sabes, tão bem como eu, que eu não consigo. Aliás, não foi preciso muito tempo! Eu não consegui. Tu ainda não percebeste completamente, mas eu já... e já sinto tantas saudades tuas... não saudades por não te ver há cinco minutos, como acontce com os apaixonados que devíamos ser. Mas por já sentir falta daquilo que era para ti, do teu carinho, do que éramos... de ti! merda.
Parece que devo fazer parte de uma nova geração de saudosistas: porque para além de ser já afectada por males como o chamado "sofrer antecipado", muito recorrente na sociedade actual e que provém, obviamente, da ansiedade e tensões interiores que sentimos, tenho já saudades de uma felicidade que (provavelmente) ainda não acabou mas para a qual prevejo já um desfecho trágico - resultado dos tais indícios trágicos...
Sou uma saudosista do futuro! Já tenho saudades do futuro e daquilo que ainda nem aconteceu... já tenho saudades tuas.

para J

junho 05, 2008

Românticos...

Para quê correr? No fundo, analisando bem a questão, somos todos irremediavelmente românticos. Desculpas dos falhados da vida. Daqueles que preferem ver "o andar da carruagem", porque assim está destinado.

A amálgama de lamas nojentas e pegajosas em que se torna a vida. Nos movimentos que fazemos, puxamos o ar como se milhões de teias nos impedissem. Lutamos contra inimigos sem rosto, muitas vezes sem nome, numa necessidade constante de empurrar algo, de carregar algo nas costas. E acabamos resignados, quase sofrendo de um transtorno obsessivo, que vai-se torneando nas formas da acalmia. Isto é designado por alguns como a serenidade da vida - que no fundo não é mais nem menos que uma profunda apatia.



Quantos sonhos ficaram para trás? Quantos objectivos, quantos êxtases sacrificados. Quantos sonhos guardo ainda na memória?



Quanta vontade guardo para continuar a sonhar? Quantos sonhos deixarei para trás por medo?...

Nenhum. Corre.





Para o meu pai