novembro 04, 2009

Ruído

Ruído.
Há ruído à minha volta.
Um ruído ensurdecedor
Um prurido
na minha revolta.
Um barulho desmedido.

Ruído.
Sonoridade de beleza morta
despida de fulgor.
Um barulho baixinho
que me bate à porta
e me mata de mansinho.

Ruído.
Que a dado momento
me faz perder a sanidade
e o sentido
e o tempo.
Ruído é um barulho sangrento.

Ruído.
Tão forte no silêncio
ao ouvido
ou na multidão.
Bate à porta do abrigo
[nenhum]
Leva consigo o sentido
que já não é sentir algum.

Ruído.
É um barulho fodido.



[ruído: 1- som inarmónico produzido por corpo que cai ou estala (...); 2 - LINGUÍSTICA todo o factor que, num acto comunicativo, perturba a transmissão da mensagem (...)]

setembro 07, 2009

São como flores brancas...

Nas noites em que durmo de sono leve - porque a minha mente engendrou um plano de me anestesiar completamente durante a noite para atenuar os menos radiosos sofrimentos diurnos - eu tenho sonhos, por vezes. E raramente sonhei contigo na minha vida, a sério. Mas em épocas de conturbação na nossa relação, fosse ela boa ou má, eu tive sonhos contigo. Alguns fizeram-me sentir coisas que, em pessoa, talvez nunca me farás sentir... simplesmente servi-me da tua imagem para dela fazer irradiar os sentimentos mais bonitos que acho que podes ter dentro de ti.
Desculpa-me. Porque, realmente, não és perfeito. Nunca mais vou olhar-te com a perfeição divinal que já achei, um dia, que tivesses. Mesmo assim, não te via perfeito por te querer cega e estupidamente, via-te perfeito porque te via ideal para mim. Via que podias contrariar-me, ensinar-me, amar-me, e tantas coisas mais...

Eu vi tudo em ti. Agora fora de sonhos, fora de todas as estúpidas realidades que envolvem cada um de nós dois, que nos separam abismalmente e nos fazem parecer fenómenos de descompreensão mútua, eu vi tudo em ti, eu vi a tua alma. E foi já naquela tão distante infância que me apercebi disso. Sabes como foi olhar para ti, há já quase 8 anos, e sentir que estava a sentir algo que nunca antes tinha sentido? Posso dizer que desfloraste os meus sentimentos...
Eu olhava para a tua casa, que me parecia enorme, só para ver se te via. Esperava um dia lá entrar, conhecer as tuas coisas, sentir o teu cheiro... entrar dentro de ti! Admirava a própria arquitectura da casa, que sempre me pareceu muito bonita e fora do vulgar. E houve sempre um pequenino pormenor que para mim fazia toda a diferença: aquela coluna de xisto na frente da casa à volta da qual, no Verão, rebentava uma explosão de pequeninas flores brancas e folhinhas verdes. Aquilo sempre teve uma beleza especial para mim... se me perguntares porquê, não faço ideia. Talvez imaginasse que, um dia, poderias fazer-me sentir uma florzinha frágil se me oferecesses um raminho delas - fazer-me sentir uma flor frágil e delicada, ternurenta e desprotegida, que pudesse refugiar-se de todo o perigo do Mundo no teu regaço. Pois no teu regaço, e a cada dia que dele saí para não mais voltar, julgava eu, eu me senti apenas na obrigação de ser não a flor, mas a mulher - não pequenina, mas mais forte, mais fria, dura, inatingível. A mulher mais dura e insensível.
Talvez um dia eu tenha sonhado que me desflorasses, no sentido sexual do termo, que fosses o primeiro a chegar às profundezas do meu ser, em todos os sentidos, que compreendesses que uma flor precisa de rega e adubação, num sentido metafórico-afectivo - ou então, uma flor murcha...

talvez um dia tenha até estupidamente vislumbrado pôr-me dentro de um vestido branco todo bordado nessas flores naturais (como ficaria bonito se fosse possível!),

talvez tenha um dia sonhado ter também eu um pilar em xisto na fronte da minha casa, junto da qual pudesse plantar essa misteriosa trepadeira - contigo... porque sem ti muito deste imaginário perderia o sentido.

Imaginei que um dia pudesses encher-me uma cama dessas pequenas florzinhas brancas, tocar-me com elas, fazer-me cócegas com elas, mimar-me, de alguma forma... imagino até que me escorrem florzinhas dessas pelo rosto abaixo à altura em que escrevo este texto, elas brotam-me dos olhos com a suavidade e solenidade de lágrimas, vão desabrochando à medida que rolam pelo meu rosto e se amontoam em flores murchas de Outono no sítio onde caem, até se decomporem e mais flores caírem.
Elas são sentimentos, R. Cada uma delas, são sentimentos, emoções que se abrem, que desabrocham e que assim se expressam. São sentimentos que o meu olhar mostra de vez em quando, ou então são emoções guardadas que têm esperança de saír cá para fora e brotam dos meus olhos com a intensidade incontrolável de rios e a candura de pérolas.

São como flores brancas, R.

Tu pensas que são farsas, R., eu sei. Mas informo-te de que não sou assim tão boa actriz. O que não percebes, R., para me acusares de chorar falsas lágrimas... o que tu não percebes, para me acusares disso, é a forma estúpida de como gosto de ti.
O teu olhar tem algo de especial, baralha-me imediatamente após recair sobre mim e remexe cá dentro. Abana-me, arrepia-me. Envolve-me... e as tuas palavras, essas atingem-me as emoções em segundos, e atingem-me fortemente. Como se o meu coração ficasse, ao pé de ti, um ninho de flores brancas, pequeninas e encolhidas, e tu chegasses lá e espetasses nele uma facada impiedosa e toda aquela brancura se enchesse de sangue. As tuas palavras são terríveis para mim, R., a visão do teu rosto é terrível para mim, a convivência contigo mata-me em vez de me dar vida! Que estranho caso de amor - ódio...

Desfloraste-me toda: a mim, aos meus sentimentos, à minha dor... todo o meu imaginário amoroso perderá o fulgor sem ti. Todas as recordações, vou guardá-las num canto escuro da memória. Aos momentos maus, vou tentar dar o mesmo destino.

(it hurts like nothing will ever hurt, it hurts like hell.)

Não será fácil amar-te em silêncio, acordar com lágrimas nos olhos, fingir ver noutros a plenitude e o encaixe perfeito! Mas voltarei a viver, R.
Voltarei a viver quando sobre a recordação do teu rosto eu conseguir deitar um raminho dessas flores brancas. Como se sobre um campa as poisasse.
o termo "cachorrinho" foi indevidamente utilizado no texto "o rapaz da camisola 7". por tal, as minhas desculpas.

Inês Silva

dezembro 15, 2008

O rapaz da camisola 7

Quando ele olha para mim...



Quando ele olha para mim. Eu sinto que ele não olha. Porque ele continua a olhar com os olhos dele. Ele não se expatria de si para olhar para mim.



No entanto, quando ele olha para mim, quando os seus olhos, escondidos nos seus traços romanos, apontam para a minha direcção, eu sinto-lhe a alma. O coração. Que tanta gente diz não conseguir ver. De tão escondido que está.



Dói-me mais quando ele não olha, ou melhor, quando olha e depois desvia. Não me custa aguentar o olhar dele - é doce, inocente, quando destapado; quando é camuflado por ele, continua o mesmo olhar inteligente e comum e insane, que toda a gente vê. Mas nalgumas vezes o vi doce, querido. Olhar de cachorrinho, vindo de uma face quase bonita demais para existir. Como não suportar isto? Se nalguma vez - ou nas muitas vezes - desviei o meu olhar foi por não querer denunciar-me, ter medo que isso acontecesse sem eu o poder controlar.



No entanto, achei por bem começar a dar ouvidos aos comentários mais maléficos: achas que te serve, achas que é para ti? Vocês não têm nada em comum... Mas aquela qualquer coisa estúpida que me fazia ver coisas bonitas e interessantes nele não foi embora - decidiu apenas recolher-se, após mostrar algumdo seu brilho, mas não ver qualquer luz de concordância do outro lado da escuridão.



Escureci, também eu. Do outro lado da escuridão, ninguém conseguiu mais ver-me porque desliguei o meu interruptor interior. Desliguei-o, apenas. Num momento, de cabeça baixa e olhos secos, apaguei-me a mim própria. Clic. Não faz sentido não conseguir, ser ignorada, esquecer-se as pequenas conquistas... e a luz que já brilhava... nada fez sentido. E eu deixei de o fazer também.







Ironia das ironias - apareceu-me o 7 na camisola dele. Lá estampado. apareceu-me. mesmo à frente dos meus olhos, que se abriram como nunca. Primeiro pensei, não, deixa lá ver bem se não é um 1 mal desenhado, ou um Z, ou qualquer outra coisa que não um 7. Não, não pode ser um 7! Sem querer ser demasiado supersticiosa ou fazer disto um milagre ou um sinal. Mas parece que saiu da fila de montagem de uma fábrica, acabado de embalar, e o número de série dele é o 7. Como se dissessem "este é para ti, Inês!".



Eu não sei, não sei, não sei! Dão-me garra as pessoas complicadas, tempestuosas, vulcânicas - mas estou habituada a que, ainda assim, sejam óbvias. Não estava preparada para uma pessoa inteligente, complicada, que parece segura de si e das suas atitudes - e nada óbvia. Ou o pouco de óbvio que poderia retirar-se disto, deixou de existir. Porque deixou de ser óbvio a partir do momento em que ele começou a manipular as suas manifestações, o pouco que lhe passa do pensamento para os gestos! E a frieza com que me trata - a mim, às situações... não, não pode ser insegurança, de forma alguma. Pelo menos dele. Mas apenas talvez minha.





Como vai ser depois?


Quando ele olha para mim, quando eu olho os olhos dele... eu vejo algo genuíno, algo sensível, uma porcelana da mais fina e pura e verdadeira. Sem camadas de fingimentos, medos ou outras coberturas... só nós os dois. Nesses momentos, como também agora, eu tenho uma vontade. Imagino que, um dia, o tempo possa parar para nós os dois, num qualquer encontro casual. Imagino que o tempo possa parar, estagnar tudo à nossa volta, todas as pessoas, todos os olhos apontados a nós parariam... o tempo pararia para nós. Nesse momento parado, inerte, em que tudo é incolor à nossa volta, não sei se incolor, será mais insignificante, só nós somos a cores, tu tens a tua camisola 7. Depois de nos olharmos nos olhos por algum tempo, não sei quanto, uma vez que ele está parado, depois de sentir já ter conseguio chegar onde queria dentro de ti, depois de sentir que bati lá no fundo de ti, eu voltaria dessa viagem interior para o mundo, piscaria os meus olhos e olharia novamente os teus, tão doces, parecem de um chocolate clarinho, dão vontade de beijar nas pálpebras... depois de te olhar novamente, eu iria, espontaneamente, sem medo, sem esforço - já disse, seríamos só nós os dois - levantar a minha mão, devagar, muito devagarinho, não fosses pensar que quereria bater-te, e, suavemente - o tempo parou - eu passaria a minha mão na tua pele. Instante mágico, esse. A resposta perfeita seria que te deixasses embalar pelo carinho que te transmito na ponta dos dedos, que acompanhasses a minha mão com um suave deitar da tua face sobre ela, de olhos fechados, quem sabe, disfrutando desse momento de carinho que podia agradar-te. E este momento já vem sendo mais longo do que em qualquer dimensão o poderia ser. Excepto naquela, talvez...
Depois disto... olharmo-nos-íamos, de novo, sem vergonha, sem embaraço, sem alegria ou expectativa - somos só os dois, repito! - e, depois disso, tu darias um passo em frente, avançando para mim - um pequeno passo em frente, sem pressas nem anseios nem nada - e eu encostaria a cabeça no teu peito, o ouvido no teu peito, no teu coração, e mais uma vez, por um tempo sem definição, eu ficaria a escutar esse pulsar vital da tua vida, da tua existência, e da felicidade da minha. Pum. Pum. Pum. Pum. Pum. Pum. Pum. Como se fosses um bebé. Ou como se fosse eu o bebé, afasgas-me o cabelo, muito levemente, muito suavemente, muito carinhosamente.
E sem saber porquê, sem saber porque me demito de ouvir-te viver, levanto a cabeça, olho-te. Encontro o teu olhar pelo caminho. Um pouco mais grave, desta vez. Don't be silly, you can see it in her eyes. Não há medo, não há insegurança, não há escuridão nem fragilidades. Só há nós, o nosso olhar que é um, os teus lábios que nunca te disse como são bonitos, carnudos, bem contornados. o teu nariz que subitamente toca a minha testa, que escorre pela cana do meu como escorre uma mão pelopeito de uma mulher, mas sem nada mais que nós dois, sem frio ou calor, ou outra coisa mais senão amor... a ponta do teu nariz, perfeitamente redonda, passeia lentamente no meu até lhe chegar à ponta, e as pontas dos nossos narizes estarem unidas. e os nossos olhos fechados, entretanto...
Corres, com a ponta do teu nariz, de novo, até à minha testa. Devagar. Devagar. Devagarinho.
Somos só nós. Não há medo, não há outros, não há insegurança, não há "e depois", não há nada - senão amor. Há só nós neste momento indefinido, de que nunca será possível saber a duração real, na verdade. Há só os teus lábios perto dos meus. Há só um momento em que, pela minha pequenez, o meu lábio superior toca o teu lábio inferior. Tocaram-se. Abraçaram-se. Prenderam-se, um no outro, por breves ou eternos momentos ou instantes. Ou por tempo indefinido... encaixaram. Tocaram-se. Desprenderam-se novamente. E permanecemos de olhos fechados, assim, junto um do outro. Pensei, Como vai ser depois? E ele respondeu-me, pensando (words are violent, break the silence) Vai ser sempre assim, de instante em instante, de momento em momento. De Tempo em Tempo.

O Tempo voltou a correr. Num horrível dia, o tempo voltou. E lá estavam as outras pessoas. Tudo, todos, coloridos, outra vez. E nós, no meio da rua - já agora, na frente do colégio, de pé, no passeio - permanecíamos junto um do outro, de olhos fechados. Até que, num repente simultâneo, nos afastámos. Beijaste-me? perguntou, estupefacto, impávido, nada sereno. Não, respondi, envergonhada,amedrontada, denunciada.
Olhámo-nos em pânico durante alguns segundos.
E depois beijou-me apaixonadamente.

4/ 12/ 2008

The easier is not the best

Reconheço nas diversas pessoas que me rodeiam diferentes tipos de problemas. Obviamente, cada um tem os seus. Mas de há algum tempo para cá distingo origens distintas destes mesmos problemas, e creio que as suas fontes, a sua razão de ser, dividem as pessoas, os grupos. Por vezes, dividem-nos mesmo a nós próprios.
Refiro-me, em certa medida, a estas pessoas da geração MSN (escreve-se assim!) e do telemóvel. A estas pessoas a quem excita a mente e os sentidos comunicar virtualmemente, num mundo a pixels, não tendo que olhar nos olhos de ninguém. Mas que, se necessário, passam toda uma conversação a babar-se para a fotografia de exibição do MSN. Esta geração Hi5, que quer integrar-se forçosamente no miserável mainstream, com fotos a preto e branco, com sorrisos falsos julgando tornar a fotografia mais bonita, fazendo questão de exibir o seu corpo esbelto (ou não, não interessa... aproveita-se o melhor dele) e a sua personalidade tão demarcada. Sempre as mesmas poses, fofas, envergonhadas, "eu marota" "eu pensativa" "eu tistinhah". "Eu monte de merda"! E eu, que me julgo uma pessoa tão simples e tecnologicamente atrasada a ponto de odiar o Hi5? Que papel tenho eu no meio desta sociedade, que futuro tenho, que forma de me afirmar?
Este é, creio, um dos problemas dos jovens de hoje em dia. Apesar de um problema social é também um problema individual, creio eu. Mas não era a este tipo de problemas que me referia anteriormente. Refiro-me áquilo que vejo individualmente, em cada pessoa que observo, nomeadamente nas que conheço melhor. E creio que esta divisão se vem acentuando.
Que o país e o mundo atravessam uma crise financeira, não é novidade. No entanto, o que me chama a atenção é a faceta social da dita crise, para a qual acredito que este descalabro na economia esteja realmente a contribuir.
Uma verdadeira crise! Não nas cotações da Bolsa, mas nos valores com os quais as pessoas são cotadas! Talvez sejam os sinais dos tempos - dentro de anos poderei achar estas considerações ridículas. Cada tempo, cada fase da evolução necessita de uma mentalidade rejuvenescida, de novos olhos para ser encarada com justiça. Ao viver nesta geração, talvez não possa encarar estas vivências com a sensatez devida. Mas, em verdade, é isto que sinto. Por um lado, todos os jovens são encarados como nascidos desta mesma bolsa, "todos do mesmo saco": uma geração que a tecnologia, a vaidade e a superficialidade prenderam dentro de si. Por outro lado, a noção de que um grupo restrito destes jovens apresenta a maturidade e o conjunto mínimo de valores essenciais à formação de um alguém versátil e empenhado. Refiro-me à raíz do problema que exponho: aqueles que têm tudo e aqueles que nada têm.
Revolta-me, do fundo de mim, olhar para as pessoas à minha volta , perceber aquilo que têm e de que dipõem e aquilo que realmente faezm disso, aquilo (em) que (se) transformam. Não falo apenas dos meios materiais, mas em todos: não me refiro a nenhum caso em concreto, porque não posso julgar tudo acerca de quem quer que seja. Mas posso deduzir. E são casos coincidentes a mais para que esteja enganada.
Como pode alguém que tenha tido uma boa educação, um ambiente familiar estável, carinho e compreensão e todos os meios económicos ao dispor, poder não fazer nada dos meios que possui? Como pode o objectivo de vida de alguém a quem tudo é dado ser ir passear até à escola, chegar a casa e deixar a louça suja em cima da mesa e fazer um bom serão de MSN, acabando a noite em beleza com uma boa sessão de SMS? Não está em causa a capacidade intelectual das pessoa, mas sim o esforço, o empenho e formação a nível moral.
Contrapondo: como pode alguém com um ambiente familiar não tão estável, talvez com lacunas afectivas que alguém tenha deixado por preencher, com meios económicos não tão vastos (muitas vezes bastante limitados, até) que pega em cada pequeno pedaço de oportunidade para se esforçar mais, trabalhar mais, formar-se mais como pessoa, pedir sempre melhor! Como é possível que, muitas vezes, este tipo de pessoas que chega a abdicar de sonhos para tentar edificar um futuro (com alguma garra que talvez tenha ainda sobrado da desilusão...) possa sair a perder? E como se explica qie aqueles que que possuem estes meios abdiquem também dos seus sonhos... por falta de vontade? Por preguiça... ou simplesmente por não terem sonhos...
Cada caso é um caso, é certo. Pessoas há que, com posses económicas, não são assim tão felizes. Mas num mundo em que o valor monetário se tornou tão importante, como podem estes não pensar nos projectos magníficos que podemos oferecer a nós próprios? Que poderão dizer aqueles que, sem posses (e muitas vezes já sem vontade) vêm os seus sonhos desvanecer-se, ou fecharem-se na gaveta?
Estou, como me parece óbvio, a generalizar a situação (nunca a particularizá-la), visto ser esta a minha perspectiva. E para provar que não estou a vitimizar quem quer que seja nem a fazer a apologia do coitadinho, digo: the easier is not the best (não sei porque penso, às vezes, em inglês...). O mais fácil não é o melhor, o mais simples não é o caminho mais acertado!
Há pessoas para quem (julgo) acho que tal preceito seja difícil de entender. Pessoas para quem olho, que vergam constantemente à menor adversidade. Pessoas com medo de se comprometer, de se desiludir e magoar, de falhar. De trabalhar, de se cansar! Que preferem não tentar, porque dá muito trabalho...
No fundo, muitos de nós preferem seguir um caminho de veludo e passadeira vermelha a um caminho de pedra. Mas o segredo está em contrariar esta vontade e ganhar gosto em fazer alguma coisa, seja ela qual for, e fazer disso um projecto. Porque não me revoltam verdadeiramente as pessoas sem vontade (acontece-nos a todos) mas as pessoas sem gosto em nada, sem sonhos! Revoltam-me as que escolhem o caminho mais bonito por ser mais fácil, que fogem da adversidade e não sabem usar a própria cabeça para resolver problemas. Nem os mais simples... entristecem-me aqueles que não têm respeito àquilo e àqueles que têm.
Como costumam dizer nos filmes, nunca ninguém disse que ia ser fácil. E se nunca disseram que ia ser fácil, porque insiste esta geração em procuarar o facilitismo? Não é necessário procurar muito, tudo aquilo de que alguém precisa para se lançar tem muito de esforço e dedicação, tanto quanto como de convicção, vontade e garra - tudo coisas que cada um encontra dentro de si. As adversidades são raios de sol nos caminhos tumultuosos e manchas negras nas passadeiras vermelhas.

Como também alguém disse... a sorte protege os audazes. Mas quem serão os audazes destes tempos? Os que têm a coragem de se exibir em Hi5s ou aqueles que tentam sair do anonimato desta sociedade pelo seu esforço e mérito pessoal?
Não sei ao certo... mas boa sorte para os audazes, de qualquer forma.


Para AM e AM
8/10/2008

agosto 07, 2008

Álcool

Ouve-se, ao longe, o carro chegar.

Ouve-se o carro chegar mais perto.

Ouvem-se os passos nas escadas. A porta abre, a porta fecha.

Tudo na cozinha mexe. O frigorífico abre vezes sem conta, as latas mexem, os frascos, o caixote do lixo, a lata do pão, tudo abre e fecha vezes sem conta. Repetidas vezes mexem os mesmos objectos.

O autoclismo é descarregado.



Agora noto melhor. Pareço ter ouvido tísico, mas não... é apenas treino. O intervalo de tempo que meço separar cada passo dá-me a quase certeza de que um torpedo sem equilíbrio se arrasta de parede em parede na cozinha.

Repete os mesmos movimentos. O frigorífico, as latas, os frascos, o caixote do lixo, a lata do pão... todos os movimentos se repetem, tudo mexe. Tudo faz barulho. Do género "então? cheguei a casa! não há ninguém nem nenhum banquete à minha espera??"
E a minha paciência esmorece. Os meus sonhos, a minha vontade, a minha alegria, até mesmo o meu corpo... tudo esmorece em mim. Subitamente, os meus músculos são também eles pesados e sem força... como que numa relação de causa - efeito. Ele bebe e deambula. Eu esmoreço, e vou dormir para só amanhã acordar.

julho 26, 2008

As minhas mãos

Muitas vezes subestimamos aquilo que temos. Aquilo que naturalmente nasce connosco - pés, pernas, braços... mãos. Mãos tão singelas, de papel tão singular na vida de todos nós. Principalmente na minha vida...
Sempre menosprezei o poder das minhas mãos. Quando olhava para as mãos muito mais femininas das minhas amigas - dedos compridos, delgados, ossudos, unhas belíssimas - olhava, comparando, para as minhas mãos de dedos curtos e gordos. Que tristeza sentia! Que bom seria ter um par de mãos bonitas como aquelas.
Depois veio o desgosto de querer aprender um instrumento musical e achar que "não tinha mãos para a coisa". Cheguei a pegar na guitarra mas cedo desisti, até que chegou o violino à minha vida. O violino, sempre tão exigente: não só em termos de inteligência musical, mas também no que toca à destreza física dos meios disponíveis para fazer o instrumento falar, as mãos - nomeadamente, os dedos.

Oh professor, mas eu não tenho mãos para o violino! Os meus dedos são curtos e isso dificulta tudo...

ao que ele sempre me respondia

Não digas isso porque tive uma professora de violino com umas mãos muito mais pequenas que as tuas... e ela toca sem dificuldade alguma.

Simpatia ou não, aquilo sempre me dava um pouco mais de ânimo. Agora, depois de um ano e oito meses a insistir (apesar de não muito...) na aprendizagem do violino, noto algumas diferenças nos meus instrumentos físicos que expressam a minha arte: não sei se da prática do violino ou se por outro factor biológico...noto as minhas mãos mais magras, de veias mais salientes, e... de dedos um pouco mais alongados e magros. Um pouco, só. O que a mim já me faz algo feliz!

Há alguns dias escrevia para o blog e dei-me conta deste facto. Apesar de preferir escrever no papel, também é agradável ouvir o barulho de cada letra sair das teclas... e aí, enquanto escrevia, olhei as minhas mãos. Os meus olhos pairaram sobre elas em vez de sobre as letras do teclado. E dei-me conta de quão belas eram! Não pelo seu aspecto físico, já! Mas sim por aquilo que me permitiam fazer. As minhas mãos permitem-me escrever, à mão ou no computador, assim como também me permitem que (tente) tocar o violino. As minhas mãos permitem-me desenhar, permitem-me moldar barro. Permitem-me cumprimentar, servir, fazer a cama onde me deito... permitem-me acarinhar... com um simples gesto, tocar alguém. Permitem-me acariciar, fazer massagens, limpar lágrimas, puxar cabelos ou até dar um estalo. Permitem-me amar! E é isso que mais gosto nelas.
Claro que há também o lado oposto, como em tudo na vida... se me permitem amar, permitem-me também odiar. Destruir. Matar. Mas a beleza que me sinto chamada a construir é muito mais forte do que qualquer apelo à neutralidade... e apesar de as mãos de toda a gente mexerem em merda, todas têm também a oportunidade de ser lavadas.

Nesse dia, eu senti que as minhas mãos são o que de mais precioso possuo para trabalhar (n)o mundo - como instrumentos que fazem depender o pegar num pedaço de barro e fazê-lo parecer um monte de bosta... ou uma bela escultura. E senti que nunca tinha agradecido por elas.
Tão preciosas. As minhas mãos.




(Já diz o outro... "I can change the world with my own two hands") *