julho 15, 2008

(nozes) Podres

É de súbitos momentos, assim, que me nasce este inconformismo maior no peito e que entra este vulcão da minha raiva em erupção. Passo a explicar.
Cheguei da Caravana - se ainda não o explicitei, um retiro espiritual - há alguns dias, de manhã. Apesar de estar cansada senti a necessidade palpitante de me não deixar abater pelo mundo neste primeiro dia de atmosfera normal (confesso que guardo ainda um pensamento intermitente de deixar novamente esta merda - perdoem o termo, porque eu até gosto de aqui estar - e voltar para a Caravana. Parece ser lá o meu lugar, e isto aqui e agora é que vai acabar rapidamente para voltar...ah, não acredito que me lançaram às feras outra vez.). E como comunicadora assumida que espero vir a ser, que podia eu mais ter feito? É claro que liguei a televisão para ver as notícias (depois de uma semana sem televisão, devo confessar que senti alguma falta de consumir informação...).
Notícias que, no fundo, não eram bem notícias - disse-me a minha falta de bom senso. Gente que morre em guerras lá para os lados do Oriente, portugueses que vivem cada vez pior porque o primeiro ministro é um-este-e-um-aquele, o apito dourado que parece que não anda para a frente, blá blá blá...decidi-me a retornar ao meu quarto, após certificar-me de que o mundo não tinha mudado na minha ausência. Quando, num repente, o ouvir de uma notícia que me entrou ouvido adentro me faz levantar da cama e vir espreitar à porta do quarto para ver a televisão.
O meu pai estava na sala, sentado à mesa, a almoçar. Ambos assistíamos à notícia. "Quinze mexicanos morrem quando tentavam chegar aos Estados Unidos da América numa pequena embarcação de madeira. Este é mais um exemplo de tentativas de entrada ilegal no país por parte de muitos sul-americanos (...). Das quinze vítimas, nove eram crianças" (se não me trai a memória, penso serem estes os dados exactos da notícia).
Aquela frase ecoou na minha cabeça............nove eram crianças.NOVE ERAM CRIANÇAS.
O meu pai ganhara o estúpido hábito de comer nozes no fim das refeições. E lá estava ele, a mascar as suas estúpidas nozes. "As nozes estão todas podres", disse. Levantou-se da mesa e caminhou para a cozinha. E eu fiquei sozinha a digerir aquela notícia.
Nove crianças. Ainda hoje isto está a ecoar na minha cabeça. Naquela altura, só quis deixar o apito dourado e o primeiro ministro em paz na televisão, uma vez que parece ser lá o lugar deles, e deitar-me de novo na cama. Nove crianças morreram. Mas o comentário foi "mais uma noz podre. estão todas podres".
Realmente estão, pensei. Mas não são as nozes. São as pessoas.

9 comentários:

Anónimo disse...

há mesmo situações que nos deixam a pensar, que nos assustam ate=| bom texto inês! (aguardo e pa ver é a escrita da nossa amiga rita!PJ)ahah^^.

Anónimo disse...

Este teu dom, Inês...

Joana Rita. *

Anónimo disse...

adorei o texto, acho k o simbolismo das nozes está fantastico :) continua miuda... adoro os teus textos :)
bjos*

Anónimo disse...

minha querida Ines:
foi como estar ao teu lado e ouvir te,gostei . ja tenho saudades tuas e espero novidades.escreve me uma carta a contar se sempre tiveste as conversas que te andavam a prender e como estas.grande grande beijinho. estou parva com o teu blogue,esta tao bom:) Madalena 'axel rose'

ILC disse...

Confesso que o teu blog caiu do ceu. O micha colocou no blog do Grapa que tu gostavas que lessem o teu blog e desde ai que eu ando a tentar encontra-lo, entusiasmada com a ideia de ler os teus textos. E logo hoje que comi nozes (acto que nao é frequente no meu quotidiano), encontrei-o.
É lindo ou nao é?

Rita Gomes disse...

Nem spr o mundo parece estar de acordo connosco, sincronizado connosco, por momentos somos demasiado rígidos para acompanhar a sua fluidez, ou então somos demasiado lentos para acompanhar a sua rapidez no que toca ao ódio e á crueldade inerentes a desejos incessantes de poder posse e domínio que conduzem exactamente ao caminho da podridão que tão bem relacionaste com as nozes. Definiria este texto como maldosadamente bom, pois dma forma maldosamente boa vais directa ao assunto =))) Bom, mais que bom sublime,concordo com a Joana Rita tens mesmo um dom e isso é indiscutível e indubitável... jinho

Anónimo disse...

Conseguii! a net já tem sinal suficiente para fazer comentários :)
Este é, sem dúvida, o meu texto preferido! Final imprevisível e que transmite uma mensagem fantástica. Adorei. =D

Beijinho Sheep*

David Pimenta disse...

A mensagem é fantástica Inês. O assunto é que não é tão fantástico. Nove crianças morreram...apenas acho incrível como para diversas pessoas, a morte de nove crianças é sentido com uma grande indiferença.
Realmente, algumas pessoas estão podres.

Bom texto Inês, Beijinho.

Pedro Leitão disse...

Excelente final, sem dúvida. Quanto à notícia, por forte que seja, fica isto:

Há algo de belo em alguém que morre novo,

E nada da beleza está na morte.

Pelos cantos putrefactos do que vejo

Vejo mais, que a vida que se acaba, antes do tempo,

(há lá tempo para qualquer vida se acabar?)

Tem algo de belo nela, nesse suspiro, nesse findar.

Um romantismo estéril e moribundo,

Do que acabou antes de vir a ser,

E a ignorância do que seria,

Evitando a decadência do lento deixar de ser.

E é triste, e é belo, e emociona-me

O arder e o apagar independente

Da vontade ou desejo do portador,

Apenas por significar o que significa:

Menos o fim de uma esperança infinita num tempo finito,

Menos uma cortina a separar o tudo do nada, e do menos que isso,

Menos uma alma incompleta á espera de o descobrir

(completa por isso)

Menos um resfriar lento e comedido, para não parecer mal,

Mais um suícidio em nome da eternidade.



Do desconhecido. Do fim. Da efemeridade.

O medo.

Perde-o.

Agora ou depois, ardendo ou apagado,

Criança com tudo ou acabado com nada,

Perde-o.

Só te resta a morte.